«Liamba» Usada Como Produto de Beleza
“Dadi Beleza” é a alcunha do ca- beleireiro de um salão de beleza, no Mártires do Kifangondo, onde algumas clientes preferem que os seus cabelos sejam tratados com produtos naturais fei- tos a base de frutas, legumes e ervas como a liamba. O cabeleireiro, que diz ser angola- no, explicou a O PAÍS que aprendeu a dominar as técnicas para trans- formar a liamba em diversos tipos de produtos de beleza na República Democrática do Congo (RDC), onde residiu a maior parte da sua vida. As composições que utilizam para tornar as mulheres mais bonitas fo- ram descobertas por botânicos de nacionalidade congolesa e nigeriana e actualmente são utilizadas em vá- rios países africanos. “Pude constatar nos outros países que este produto faz muito sucesso porque não prejudica o coro cabe- ludo. Por esta razão, achamos con- veniente trazê-lo para Angola a fim de não só atender as cidadãs estran- geiras como as angolanas que optam por este cosmético”, esclareceu. Para ultrapassar as inúmeras di- ficuldades que encontra para se comunicar em português, o jovem que exerce esta actividade em An- gola há dois anos, não deu muitos rodeios para mostrar a nossa equipa de reportagem o estado em que fica a liamba depois de sofrer as trans- formações. Consciente que não existe no nos- so país nenhum pressuposto legal que estabeleça as circunstâncias em que este estupefaciente deve ser utilizado, os cabeleireiros, cada um a sua maneira, criam a sua táctica para mantê-lo distante do olhar dos curiosos. É com base nisso que, para escapar das autoridades policiais, no estabelecimento do Dadi Beleza o cosmético não é exposto na mon- tra como acontece com os indus- trializados e é escondido num local que considera ser seguro. O jovem cabeleireiro contou que na lista de clientes está a sua mãe que vive no Benfica e se desloca com frequência ao Mártires do Kifangon- do para tratar o cabelo com liamba. A escolha deve-se ao facto de o cosmético caseiro permitir que os fios de cabelo branco que insistem em aparecer,em função da idade, permaneçam pretos por um período de tempo superior ao proporciona- do pelos produtos industrializados. “Cada pessoa tem o seu gosto, há algumas que preferem os cremes Europeus, Americanos ou Asiáticos e há outros que optam pelo trata- mento feito com material preparado por nós, os africanos”, explicou.
Para além da liamba, que é uma erva cuja venda e cultivo é ilegal em Angola, o nosso interlocutor decla- rou que recorrem ao alho, a cebola, a pitela, o avo e frutas como abacate e banana para cuidar do coro cabe- ludo das suas clientes.
A concepção do creme feito com o estupefaciente vária em função do tipo de cuidado que a cliente pre- tender, pelo facto dele não só tornar os cabelos leves em rijos, os finos em grossos como contribui também para o seu rápido crescimento e im- possibilita a sua queda. De modos a evitar que a fórmu- la seja tornada pública e seguida pela concorrência, Dadi limitou-se a dizer que a composição que faz o cabelo crescer é feita de liamba tor- rada e pisada, com ovo, abacate e cebola. “A prova de que este creme dá saúde ao coro cabeludo e provoca o efeito esperado nas nossas clientes é que elas regressam sempre felizes e não apresentam nenhuma reclama- ção”, assegurou o cabeleireiro.
Produção por encomenda
Dadi Beleza disse que algumas das suas clientes preferem marcar este tipo de tratamento de forma anteci- pada pelo telefone, devido à enorme aderência e a escassez de matéria- prima no mercado. “Este cosmético é feito aos pou- cos e na maioria dos casos só por encomendas”, declarou o jovem. Acrescentando de seguida que “fica mais caro tratar o cabelo com este produto porque ele contém todas as vitaminas que os industrializados perdem na altura da sua composi- ção e não são misturados com ou- tros reagentes químico”. Sem especificar o nome dos sa- lões, o nosso interlocutor declarou que é possível encontrar esta com- posição na maior parte dos estabe- lecimentos semelhantes espalhados pelo Mártires do Kifangondo. A senhora Filomena, proprietária de um salão de beleza localizado no bairro do Hoji Ya Henda, declarou que só recomendam a utilização do cosmético caseiro feito com liamba e outros produtos, quando há ne- cessidade. No seu entender, as pessoas não devem ficar surpreendidas com o uso desta planta para este fim, por- que existem muitos produtos de be- leza feitos com plantas e frutas, mas não superam o caseiro pelo facto de perderem certas funções depois de passarem pelas máquinas. A cabeleireira Filomena também comunga da tese apresentada por Dadi Beleza, de que é possível usar tanto os produtos caseiros como os industriais ao mesmo tempo, por- que há casos em que um comple- menta o outro. “Existem clientes que têm o cabelo muito fraco e nós fizemos o tratamento com a achandala, usamos a vitamina do Trigoforte, que é um produto industrializa- do, para fazer com que ele tenha uma nova compostura”, declarou Filomena. Apesar de ter salão de beleza pró- ximo de um mercado, a senhora Fi- lomena disse que é mais fácil com- prar a liamba em Luanda do que a achandala ou a pitela. Para estancar a falta delas, tem que se deslocar ou encomendar às pessoas que vão à comuna da Funda.
Três anos a usar liamba
No salão da dona Filomena, a nossa equipa de reportagem encontrou a jovem Bernardete à espera para ser atendida. Ela revelou a este jornal que usa o cosmético feito com esta erva há mais de três anos para fortificar os seus cabelos e que não pretende trocar por outro, por causa dos benefícios que lhe tem proporcionado. “A senhora que trata do meu cabelo mistura a liamba com uma vitamina e mais um produto que desconheço. Ela orientou-me ain- da a usar quizenalmente este tipo de produto, em função do estado em que o meu cabelo se encon- trar”, explicou. A cliente disse ainda que ape- sar de ser mais caro o tratamento com este produto em relação aos importados, não tenciona troca-lo porque o seu coro cabeludo já está acostumado com a erva. A jovem Bernardete contou que faz uma pausa sempre que nota que o cabelo atingiu o nível que espera, de modos a evitar que haja efeitos colaterais. Embora não conheça ninguém que tenha se queixado deste produto. “Enfrento algumas dificuldades para encontrar a liamba, por ser extremamente proibida a sua plan- tação, comercialização e uso. Há pessoas que nos vejam a comprar e deduzem logo que é para outro fim”, contou. Para fazer o tratamento com este tipo de produto, a senhora desem- bolsa quinzenalmente mil e 500 kwanzas, ao passo que optasse pelos cosméticos industrializados pagaria apenas mil kwanzas. Na esperança de descobrir como funcionam os meandros da venda deste produto, a nossa equipa de reportagem deslocou-se ao mer- cado da Chapada, na comuna do Marçal, e com a ajuda de alguns jo- vens chegou ao local da venda. Com receios que os repórteres pertencêssem à Polícia Nacional, os nossos interlocutores optaram por não indicarem logo de imedia- to o local onde adquirem o estupe- faciente. Depois de alguns minutos de diálogos, fomos convidados a percorrer pelos becos do Marçal até chegarmos nas imediações do prédio sujo. “Ainda é 50 kwanzas o rolo, mas como vós a partir da próxima se- mana subirá para 100 kwanzas”, começou por dizer o comerciante, que surgiu de dentro da casa com o estupefaciente enrolado na metade de uma folha de caderno. O vendedor não revelou o seu nome e explicou aos clientes que aumentará o preço, porque o valor que paga por uma lata de leite Nido com o produto também passará de dois para três mil kwanzas.
Contactado pelo O PAÍS para saber que o uso da liamba em salões de beleza constitui um crime, o inspector Nestor Goubel, funcio- nário do gabinete de comunicação e imagem do Comando Provincial de Luanda, esclareceu que desco- nhece o que estabelece a legisla- ção, mas lembrou que não existe nada que autoriza o uso dela como cosmético. “Sei que a liamba é orientada em algumas prescrições médicas para aquelas pessoas que padecem de problemas respiratórios, agora quanto a sua utilização em salão de beleza isso só um jurista é quem poderia esclarecer melhor do que a Polícia”, explicou o inspector. A Polícia Nacional destruiu 300 plantas e 38 quilos de liamba, em Junho último, em Ndalatando, no quadro das celebrações do Dia Mundial da Luta Contra as Drogas. Segundo a nota de imprensa distri- buída na altura, as plantas estavam disfarçadas em três campos agrícolas no meio de cereais. O documento frisa que foram ainda apreendidos, em várias operações, 48 quilos de liamba e 3.615,00 kwanzas resultantes de vendas de estupefa- cientes. O chefe do Departamento de Combate ao Narcotráfico, Arlindo Segredo, disse na ocasião que parte da droga apreendida nos últimos 12 meses foi sujeita a exames labora- toriais e que uma pequena quan- tidade acompanhou os processos enviados para julgamento. No mesmo período, afirmou, entraram no departamento 51 casos ligados a plantação, posse, venda e consumo de liamba, que resultaram em 50 detidos. Dos processos instruídos, 38 foram julgados sumariamente, dez estão concluídos para julgamento e três em fase de instrução. No en- tender de Arlindo Segredo, embora a província do Kwanza-Norte não seja “praça habitual de produção de drogas, faz parte do principal eixo rodoviário que liga Luanda ao Leste e à província do Uíge, zonas consideradas tradicionais de uso de estupefacientes”
Fonte: O PAÍS
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