Rosie Alves: Entrevista Com Ready Neutro [Exclusivo]

Blin

Ready Neutro é o nome artístico de Kieza Domingos um impulsionador da cultura Hip Hop desde o ano 2000 Todo seu envolvimento começou com Freestyle que o levou a obter notoriedade em campeonatos e eventos de rua ligados ao Hip hop . E assim, surgiu o Ready Bling que ganhou espaço nas ruas de Luanda, e se tornou destaque dentro do cenário musical propriamente no estilo Hip Hop, agradando a critica e o público amante do mesmo estilo. Hoje saberemos mais sobre esse que também é conhecido como #Rainho pelas ruas do bairro Rangel a fora.

R.A - Pra ti, que é o Hip Hop? Quais são as características que tu usas pra definir o mesmo?

R.N - Hip Hop é uma cultura composta por quatro elementos BREAK, MC, o DJ e o GRAFFITI.

As características que uso para defini-lo são as ações praticadas pelos quatro elementos, nesse caso eu me caracterizo cantando visto que sou um MC.

R.A - O Hip Hop não faz parte do quotidiano de boa parte dos angolanos. O que os artistas de hoje têm de diferente em relação aos artistas da geração passada que pode mudar isso na tua opinião?

R.N - Acho que, atualmente, O Hip Hop é o estilo mais consumido pelas sociedades em geral. E eu tenho a certeza que o Hip Hop está a ser mais consumido pelos angolanos agora. Outrora tínhamos um número limitado de cantores/grupos hoje temos mais diversidades no qual cada fã chega e escolhe o(s) seu (s); temos mais atividades mais interação também! Eu, pelo menos, com o apoio da nova tecnologia e acredito não ser o único, comecei a promover as minhas músicas através dos canais bluetooth e internet que foi/é uma grande ajuda para promover os trabalhos ajudando a chegar mais rápido aos ouvidos dos fãs coisa que as gerações passadas não tinham.

R.A - A tua música tem características muito urbanas, ou seja, muito dos temas retratam realidades violentas, existe algum prazer em falar dos acontecimentos das ruas?

R.N - Eu, pessoalmente, sinto um prazer enorme. Parecido com aquele da ejaculação… (risos).

Como eu sempre digo: eu venho do bairro, a minha realidade é outra e não obstante desse fato, eu não tenho motivo para estar a fantasiar a minha poesia ou o produto que ofereço aos meus ouvintes. Todo mundo sabe que o Ready Neutro é oriundo do bairro Rangel, sendo do Rangel eu vejo realidade diferente de muitos outros artistas e simplesmente eu narro o que está a minha volta; um pouco de violência, amor, paz, felicidade, atrofio e todo o resto que fazem parte do meu ciclo de vivência.

R.A - Dizes não fantasiar as tuas músicas com uma realidade inexistentes como fazem os outros Rappers. Tens visto muitos artistas a fantasiar realidades inexistentes?

R.N: Exato. Temos muitos artistas a cantar o que não vivem e acho que quanto mais fantasias mais difícil é cair na graça do povo. Tenho um exemplo concreto, hum... Não, passo esse exemplo! Só acho também que todos nós devíamos ser um pouco mais realistas nas nossas mensagens e pararmos comas fantasia se quisermos fantasiar vamos pegar um voo em Fevereiro rumo ao Rio de Janeiro.

R.A - Mas, há quem ganhe com fantasias e o Ready sabe disso….

R.N: Quando falo de fantasias é sobre os Rappers estarem a criar um mundo que está muito além do alcance deles e eu acho isso um pouco ridículo. Falarem de: Mansões, carros caros… Uma série de irrealidades!

R.A - Quais são os teus pensamentos quando estás a criar um tema?

R.N: Eu tenho uma forma muito diferente de criar os meus temas. Eu faço uma seleção de temas diversos, tenho um caderno de cinquenta títulos. Quando quero escrever, pego o caderno, escolho um título e desenvolvo. Há outras vezes, quando chego à casa um pouco alterada, com uma inspiração “Herbívora” correm-me vários pensamentos pela mente…

R.A - Qual é a história da Squarmoff gang e Krepson?

R.N: Squarmoff gang é o grupo mãe formado por onze elementos e dentro da Squarmoff temos outros grupos onde a Krepson é um deles formada pelo Raffix, Divino Magno e o Ready Neutro.

R.A - O que te motivou a trabalhar com “CMC”? Porquê o trabalho entre vocês chama-se “Mais Lucros”?

R.N: A maior motivação foi o fato de sermos irmão de alma, crescemos juntos e temos um nível de cumplicidade altíssimo. Estávamos em casa do mesmo a almoçar e surgiu à proposta da minha parte para fazermos uma Mixtape, o Ceezzy concordou na hora e fomos para o estúdio no mesmo dia gravar a primeira música o «Sobrecarga» a música teve uma boa adesão, um número de downloads considerável, daí demos vida ao projeto concluindo com dezasseis faixas.

Mais lucros por que, era uma altura que nós estávamos no hustle à procura de finanças visto que não somos herdeiros, estamos sempre a vender alguma coisa e a fazer algum business quando terminados os nossos deveres (escola/serviço) para angariar alguns fundos, vimos que o esse seria o titulo mais sensato.

R.A - E gerou lucros?

R.N: Gerou alguns, serviram para desfrutar com as blackianas do Rio de Janeiro, por que um dia depois da venda eu tive que viajar.

R.A - Umas das tuas Mixtapes mais populares é a “Rei dos Bandidos”, porquê esse titulo?

R.N: Esse título já me deu muitos problemas, as pessoas pensavam que eu era um bandido. Mas não, todo mundo sabe que o Ready é um menino de família, rei dos bandidos simplesmente porque na altura que tirei a Mixtape perdemos muitos bandidos aqui no bairro, bandidos que fizeram parte da minha vida. Tinham uma má conduta, mas eu lidava muito bem com eles, pessoas que eram assaltadas aqui no bairro e diziam ser meus amigos e as coisas lhes eram devolvidas. Foi numa altura que um bandido já falecido aqui da banda estava a dar no que falar e muitas pessoas apoiavam-se a mim por eu ser vizinho dele. Então, surgiu à ideia de fazer os Reis dos Bandidos, eu tinha uma boa relação com eles, até de comprar livros e oferecer embora eles usassem para fumar liamba (riso).

R.A – Tiveste alguma ligação com bandidagem, ou seja, também já infringiste as leis?

R.N: Não. Sempre fui um jovem calmo, sempre lidei com os jovens da minha banda por isso, já estive envolvido em muitos conflitos escolares principalmente na altura do Freestyle no Makarenko (Instituto Médio Industrial de Luanda) e alguns conflitos no bairro, mas nada que pudesse manchar a minha imagem perante os órgãos da lei.

R.A - Depois do grande sucesso que é a Mixtape efeito neutro, vem aí efeito da força, o que se pode esperar do mais recente trabalho?

R.N: Sem sombra de dúvidas será um trabalho monstruoso por conta da força cerebral, física e emocional que está a ser implementada por mim e pelo X3tremo Signo, vai ser a primeira Mixtape oficial, será totalmente angolana visto que estamos a usar beats originais, a será uma mais valia para o Hip Hop nacional com certeza por conta das da produção até às temáticas, a ideia é quebrar a opinião que muita gente tem relativamente à Mixtapes no que toca a composição, instrumentalização, masterização , etc. Essa Mixtape vem mostrar que também se fazem boas músicas e sucesso em beats angolanos. Quebrar essa opinião de que os Rappers angolanos só fazem sucessos em beats americanos.

R.A – Disseste que o «Efeito da Força» é um trabalho totalmente angolano. Em termos de produção, com que estás a trabalhar?

R.N: Estou a trabalhar com uma nova vaga de produtores. Os beats são maioritariamente do Mancha Beats, estou a trabalhar também com o Rafa Beats os dois são putos do Palanca e produzem muito bem! Tem beat do Camacho – irmão do cantor Lawilca. E mais algumas propostas que ainda estão sob analise.

R.A – Para quando o lançamento da Mixtape?

R.N: Não vou adiantar uma data, mas dizer que é para esse ano ainda. É prioridade dos trabalhos que estão para sair pela YEBBA Entertainment. Quero pedir aos meus fãs que aguardem que eu não vou vos decepcionar.

R.A - Palavras que não faltam na tua música são: Pussy, Kwanza, Weed... O que significam para ti tais palavras?

R.N: Significam muito porque fazem parte do meu quotidiano e agem como fonte de inspiração: Eu fumo Weed, não sou filho do Nandó, mas o Hustle tem estado a correr bem e tem caído muitos Kwanza e para completar as Blackianas não param de ligar…

R.A - Quanto ao projeto «Duplo Impacto» com o Francis? Podes adiantar o que vem nesse trabalho?

R.N: Devo dizer que é uma Mixtape que promete, porque o Francis é um óptimo rapper e impressiona em cada verso, e não fugindo a regra agradará todos os meus ouvintes e desde já pedir as nossas sinceras desculpas porque a Mixtape está mais atrasada que todos os períodos irregulares do mundo, mas ainda assim, ela já está pronta e só atrasou por causa do Ready Neutro. Mas sairá neste ano com certeza

R.A - Para ti, o que é necessário para crescer na carreira e como tens conseguido?

R.N: É necessário muita dedicação, empenho , certas doses de humildade, saber abdicar de certos prazeres para alcançar outros e mais importante: Ter uma família que nem a YEBBA ao meu lado. Tenho seguido por esse caminho e até agora só tive benefícios

R.A - Ultimamente fala-se muito em “Buzz”, o que é ter isso no Hip-Hop?

R.N – Buzz é uma palavra americana. É a expansão do nome do artista, e ter isso no Hip Hop é ter popularidade, é estar na ribalta e eu definitivamente estou cheio de Buzz.

R.A - O que há por trás dos artistas que alcançam o sucesso e dos que “batem na rocha”?

R.N: Existe muita relatividade nisso, há muitos artistas que batem na rocha e têm um bom produto, só não têm uma máquina de propaganda aceitável; assim como há muitos artistas que fazem sucesso e não cantam nenhum, têm um conjunto de músicas vazias! Então, só tenho a dizer que isso depende muito da propaganda que é feita do trabalho do músico.

R.A - Quem te inspira como músico?

R.N: Como disse anteriormente, a minha inspiração é o meu ciclo de vivencia, os acontecimentos do dia-dia, esses chamam muito a minha atenção e inspiram-me a escrever cada vez mais.

R.A- Generalizando os rapper e mcees, tanto a velha e a nova escola têm feito algo novo para o Hip-Hop Angolano na tua opinião?

R.N: Evidente que sim. Principalmente a nova escola que tem estado a mostrar o seu trabalho no que toca a artistas, produções musicais, realizações de espetáculos em prol do movimento e atividades culturais. Temos aí o MFC (Movimento Faz Cultura) que tem a colaboração direta dos Rappers para a realização de atividades beneficentes onde a nossa participação é evidenciada positivamente. Digo isso sem medo de errar, embora os recursos forem precários é verdade que a nova escola tem mostrado mais trabalho que a velha, embora alguns deles também insistam fazer pouco de nós…

R.A - O que se diz do relacionamento entre essas mesmas gerações? Há feedback, troca de impressões entre a velha e a nova escola Hip-Hop?

R.N: Acho que não há feedback algum. Estão mais separados que certos pais! E desta forma o movimento vai andando. Poderia ser o contrário; deveria haver mais ligação e só assim, unindo forças poderíamos fazer mais em nome do movimento.

R.A - Um assunto recorrente no Hip-Hop são as óbvias divisões entre Comercial e Underground. Onde o te encaixas e o que achas desse tipo de classificação aos Rappers?

R.N: Isso já existe desde os temos mais remotos do Hip Hop e acho que irá até ao fim do mundo que está próximo né! E eu digo sempre que não me encaixo em nenhuma dessas denominações. Sempre deixei claro isto. Nas minhas músicas, os meus ouvintes encontram o elevado nível de intelectualidade que não vejo nas músicas de muitos undergrounds que se contradizem nos seus versos e ainda dizem serem os mais conscientes. E conheço outros artistas que são Hip Hoppers e têm mensagens com muito, mas informação que certos Undergrounds que não adianta citar o nome.

R.A - Diante desta conclusão, posso presumir que te assumes como comercial?

R.N: Alguns dizem que sim, mas eu intitulo-me Hip Hopper, e chega uma altura que nós tornámos-nos comerciais quando vendemos as nossas obras ao público e eu não fujo a regra.

R.A - Falar de Pussy, Weed e Kwanza é ser Underground ou Comercial?

R.N: É a minha forma Hip Hop. Se explorares a fundo as minhas mixtapes, tu vais encontrar músicas que não me imaginavas a cantar! Músicas sobre reflexões profundas, retratos sociais profundos, só por isso é que eu prefiro não me enquadrar entre o Underground e o Comércio. Eu faço as pessoas dançarem, rir e refletir com a mesma intensidade. Não tenho nada contra o comércio e o underground, só não admito que certas pessoas rotulem a minha forma de mostrar o meu talento através do Hip Hop.

R.A - Ready, tens projetos como gravar um álbum de originais?

R.N: Estou a trabalhar no meu álbum de originais, intitulado: «Tudo em nome das ruas» pra muito breve. Só não tirei agora por causa de outras obras pendentes que tenho que são: «O Efeito da força, O Exagero e a Palavra de Honra» Mas, não tarda, o pessoal terá o álbum de originais de Ready Neutro com as mesmas características, não vamos mudar nem para tomar banho.

R.A - O que dizes a todos Rappers que querem crescer como artistas e chegarem ao teu nível de popularidade. Qual é a tua receita?

R.N: Devem trabalhar muito, como eu tenho feito todos os dias, atingindo novas metas e superando-me a cada obstáculo. Acreditem no vosso potencial porque a fé move montanhas, parem de lamber botas, lambam outras coisas, procurem manter-se informados, atualizados, não pisem ninguém porque as pessoas não são chão, aprendam a ouvir e resumindo: lutem pelo que acreditam.

R.A - P’ra terminar gostaria que me descrevesses aqui alguns dos itens que faltam ao Hip-Hop luso e que o tornariam numa cultura de rua completa, uma vez que para muitos ainda não seja…

R.N: No Hip Hop Luso, só se faz sentir a presença do MC não há espaço para os B-Boys e Graffiti writers, só agora que se nota alguma variedade de Dj’s, há carência de grandes espetáculos, premiações, e particularmente em Angola tem muito poucas oportunidades e tem piorado a cada dia. Mas como eu digo sempre: devemos criar alternativas e não esperar que o reconhecimento da mídia venha de mão beijada e trabalhar duro para que o Hip Hop luso seja cada vez mais conhecido e respeitado.

R.A - Ready, obrigado, foi uma honra entrevistar o Rainho e desejo-te mais sucesso pela frente.

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